Encontro com o deputado Pedro Eugenio

Encontro com o deputado Pedro Eugenio

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

LULA, O HOMEM QUE NASCEU COM O DOM DA ORATÓRIA

 LULA, A VOZ DO BRASIL

Frei Betto  




 Lula é, hoje, a voz do Brasil.  De modo especial, a voz dos que não têm voz. Nenhum brasileiro tem, no  exterior, tanta audiência. Os chefes de Estado prestam atenção no que ele diz,  inclusive Dilma Rousseff.

Universidades dos cinco continentes o  homenageiam com o diploma de doutor “honoris causa”. Empresários, dentro e  fora do Brasil, querem conhecer seu ponto de vista sobre a conjuntura.  Organismos internacionais se interessam pelo modo como o seu governo combateu  a fome e reduziu a desigualdade social no Brasil.

 A vida é  imprevisível. Frágil como uma folha seca. E o futuro a Deus pertence. Súbito,  Lula vê-se afetado por um câncer na laringe. Até parece que a natureza decidiu  atingi-lo em seu calcanhar de Aquiles. Como ocorreu ao pianista João Carlos  Martins, cujos dedos das mãos, afetados por uma sucessão de problemas de  saúde, quase o obrigaram a se afastar da música. Hoje, ele é reconhecidamente  um exímio regente.

 O câncer parece perseguir os chefes de  Estado: Lugo, Chávez, José Alencar... Lula é feito da mesma matéria-prima de  Alencar. Os dois foram dotados de um imbatível otimismo frente à vida,  sustentado por consistente fé cristã. Como Alencar, Lula se sabe predestinado  – não no sentido messiânico que o termo possa sugerir, e sim como resultado de  uma convergência de fatores que o levaram à vida pública e, graças à  sensibilidade social trazida de berço, se empenha em minorar a desigualdade  social e promover uma ampla política de inclusão dos  empobrecidos.

 Todo o poder de comunicação de Lula se centra na  voz. Ele nasceu brindado pelo dom da oratória. Lembro do início de nossa  amizade, nas grandes assembleias metalúrgicas do ABC, no estádio da Vila  Euclides, nos primeiros anos da década de 1980. Lula, antes de sair de casa,  elencava num pedaço de papel os temas a serem abordados em seu discurso de  encerramento da concentração operária. Era sempre o último a falar. Seu  discurso marcava a culminância da assembleia.

 Ocupado o palanque,  iniciava-se a sucessão de pronunciamentos: diretores do sindicato dos  metalúrgicos, líderes operários, advogados trabalhistas, políticos... À medida   que o ato avançava, os pontos elencados por Lula brotavam da boca dos  oradores que o precediam. Eu me sentia aflito por ele, preocupado se, ali no  palanque, ele teria ideia de outros temas que ninguém tivesse abordado.

 Terminada a lista de oradores, a palavra de coroamento da  manifestação cabia a Lula. Todos prestavam silenciosa atenção, como se cada  uma de suas frases devesse ser absorvida pela multidão. Então, Lula  surpreendia. Não por arrancar da cartola retórica, como um mágico, temas  inéditos. A pauta era a mesma. A novidade consistia no modo como a abordava.

Não falava com a cabeça, e sim com o coração. Não proferia teorias nem  se perdia na ênfase de frases demagógicas. Discursava a partir de experiências  oriundas de sua trajetória pessoal, criava parábolas, contava “causos”.  Exortava, advertia, expressava metáforas bem humoradas, destilava ironias em  torno da ditadura, caricaturava ministros e  empresários, cobrava de cada grevista empenho na mobilização, atiçava os brios  éticos da massa trabalhadora. Seu pronunciamento soava mais moral do que  político. Sua voz inflamava a assembleia.

 Agora, a voz padece.  Descansa. Exige cuidados. Lula, como ocorre às águias ao atingirem 40 anos de  idade, se recolhe à montanha para adquirir novo vigor. E, em breve, retomar  seu voo por uma política, no Brasil e no mundo, centrada no fim da miséria e  da pobreza – onde a sua vida teve início.



Frei Betto é  escritor, autor, em parceria com Marcelo Gleiser e Waldemar Falcão, de  “Conversa sobre a fé e a ciência” (Agir), entre outros  livros.

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